Peter Szondi (1929-1971), autor de "Teoria do drama moderno" e "Ensaio sobre o trágico", entre outros. Sua "teoria da mudança estilística" aprofundou os desenvolvimentos da tradição dialética, de Hegel, Georg Lukács e Walter Benjamin. Publicando sua foto, o blog presta uma homenagem ao trabalho de Szondi e lembra dos 40 anos de sua morte, em 18 de outubro.

sábado, 27 de novembro de 2010

Luiz Eduardo Soares sobre a violência no Rio

Ponho para circular o texto do sociólogo Luiz Eduardo Soares, a respeito da violência no Rio de Janeiro.

Ajuda a gente a treinar leituras críticas da grande mídia e de agências oficiais, como a Agência Brasil, e suas abordagens cada vez mais estapafúrdias.

domingo, 21 de novembro de 2010

Dia da Consciência Negra

Ontem foi dia da Consciência Negra. 20 de Novembro. As grandes empresas que às vezes fazem também jornalismo, poderiam ter discutindo, ao longo de todo o mês, as questões da população negra (mas não era o 20 de Setembro, não é?).

Um dos motes poderia ser a discussão em torno do racismo na obra de Monteiro Lobato. O problema é que ao invés de tomar um aspecto de conscientização e debate, o racismo apresentado por certos intelectuais se tornou alvo de uma discussão que tenta argumentar as vantagens de não discutirmos.

A revista Veja, cada vez mais afundada na estupidez de sua posição política, saiu com uma sequência de chiliques lastimáveis, entre os quais o do Augusto Nunes e o da Lya Luft. Não vou argumentar a razão de os textos serem chiliques e serem chiliques lastimáveis já que a escritora Ana Maria Gonçalves o fez com sabedoria.

É artigo fundamental pois tem a grandeza de levar o debate para a esfera pública e incitar mudanças nas instituições nas quais os pensamentos racistas são construídos e circulam. Do lado oposto, estão sempre lá os que acham que não precisamos fazer nada, que o racismo vai acabar por si mesmo (desde que continuemos lendo a Veja e o Monteiro Lobato?), e até os que pensam que o Brasil não é um país racista.

Coloco na roda, ainda por causa do Dia da Consciência Negra, um artigo de Milton Santos, escrito em 2000. Ao invés de nos afundarmos na sandice e no silêncio, temos a possibilidade de ler e discutir material produzido por vozes que, legitimamente, lutam contra a sandice e o silêncio.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Descrição e tradução de um poema de Walt Whitman

A versão orginial, abaixo em inglês, foi copiada de The complete Poems of Walt Whitman, pela Wordsworth Editions. A tradução é minha, completamente inconfiável. Na edição consultada, o título do poema é o primeiro verso. Whitman o escreveu em 1860 e o retocou em 1867.
O poema é dividido em três partes separadas por um ponto-e-vírgula. Como é comum no poeta, os primeiros versos têm estrutura nominal. 
O ritmo se instala pela repetição do "Not". Uma quebra no ritmo é preparada pelo terceiro verso, que rompe as abstrações dos dois primeiros com um "the", artigo definido, antes do nome "air". Quebrada a abstração, aparece também o sujeito da estrutura sintática, mas não o sujeito da estrutura poética, o que resulta em prazer para o leitor, pois impele a leitura e mesmo a declamação a não respirar enquanto o ritmo sugira resolução. 
A primeira resolução aparece com o primeiro ponto-e-vírgula. Gosto imensamente desses versos, pois eles condensam o movimento do sentido e o movimento da respiração. Quando as sementes pousam ou pingam ou se acomodam exatamente onde deveriam, também a leitura se acomoda. O ritmo é completamente quebrado pelo aparecimento de um verbo no início do verso, ainda que seja um verbo nominalizado, bem ao gosto de Whitman.
A segunda parte do poema tem dois versos e faz a passagem grandiosa, cheia de beleza e entusiasmo, da natureza inspiradora para a alma do eu-lírico. O ritmo é bancado pelo vocábulo "none", mas a ênfase está no vocábulo "I", pois é o vocábulo a que se dirigem os três "Not" da primeira parte e os dois "none" da segunda.
A terceira parte inicia com uma pergunta, mas a resposta a ela mostra que se trata de uma afirmação disfarçada. Como é comum em Whitman, o eu é afirmado como parte do cosmos, em comunhão romântica com a natureza e o amor, mas a comunhão é uma abertura do próprio eu, é uma espécie de declaração de existência, um canto do eu.
Essa terceira parte acaba com um verso iniciado com o mesmo verbo do último verso da segunda parte, "Wafted", cujo particípio apassiva e nominaliza a declaração efusiva do "eu" e ajuda o sentido a não se tornar arrogante ou prepotente, ajuda o eu a se equilibrar com o mundo e o amor. O vocábulo "I" aparece pela terceira e última vez no poema, provocando, por assim dizer, uma volta dialética. Na primeira parte, há prevalência do espaço natural, simbólico, na segunda parte, prevalência do eu, na terceira parte, outra vez, o espaço, mas agora um espaço que acolhe (esse verbo precisa ser melhor pensado) a alma ("my soul") do eu-lírico, alma que, por sua vez, acolhe a imensidão. Mas essa imensidão não é mais a imensidão natural, é a imensidão humana da amizade e do amor.
Essa é apenas uma descrição entre as tantas possíveis. A partir dela é possível desdobrar interpretações, que qualquer leitor tornará infinitas.
***
Not heat flames up and consumes,
Not sea-waves hurry in and out,
Not the air delicious and dry, the air of ripe summer, bears lightly along white down-balls of myriads of seeds,
Wafted, sailing gracefully, to drop where they may;
Not these, O none of these more than the flames of me, consuming, burning for his love whom I love,
O none more than I hurring in and out;
Does the tide hurry, seeking something, and never give up? O I the same,
O nor down-balls nor perfumes, nor the high rain-emitting clouds, are borne through the open air,
Any more than my soul is borne through the open air,
Wafted in all directions O love, for friendship, for you.
***

Nem calorosas chamas crepitando e ardendo,
Nem ondas apressadas indo e vindo,
Nem o ar delicioso e seco, o ar do verão maduro, acolhe iluminadamente brancura afora flanando em miríades de sementes,
Embaladas, navegando com graça, para ir repousar exatamente onde devem;
Nenhum, oh, nenhuma dessas mais do que as minhas chamas, consumindo, queimando pelo amor dele, amor que amo,
Oh nenhuma onda mais do que eu se apressa em ir e vir;
Procurando algo, com sua ligeireza, a correnteza nunca desiste? Oh, eu também não,
Oh nem sementes nem perfumes, nem as nuvens na amplidão prometendo chuva, nada é acolhido neste espaço imenso,
Tão somente a minha alma é acolhida pelo espaço imenso,
Embalada em todas as direções, oh meu amor, pela amizade, por ti.

domingo, 7 de novembro de 2010

Resenha, Revista Norte

A Revista Norte publicou uma resenha que escrevi sobre o livro de Vladimir Safatle, Cinismo e falência da crítica. A resenha inicia assim:
Uma organização social voltada para a produção de consumidores é estruturalmente incapaz de propor limites à própria destrutividade? O consumidor se transforma num cínico, que se aproveita da destruição? O modo como reproduzimos nossa vida, nossos empregos, nossos produtos exige certo cinismo?
Se a sensação de que se tornou comum viver cinicamente tem validade e se historicizar o problema ao invés de somente moralizá-lo ajuda no debate sobre o assunto, vem a calhar discutir um estudo recente do filósofo e professor da USP, Vladimir Safatle. Trata-se do livro Cinismo e falência da crítica, publicado pela Boitempo, em 2008, no qual Safatle tenta diagnosticar o cinismo como o que pensa ser uma “forma de vida” produzida na e pelas relações do capitalismo de consumo contemporâneo, no qual socializações são organizadas não mais nos moldes da repressão e da culpa, mas nos moldes do “goze!”.
Para seguir lendo, vá para www.revistanorte.com.br

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Homenagem a José Ângelo Gaiarsa

Morreu no último final de semana o psicanalista José Ângelo Gaiarsa, aos 90 anos.
Li alguns de seus livros quando freqüentava a biblioteca pública da minha cidade natal, Bento Gonçalves. Lá não havia muitos dos trabalhos de Gaiarsa como divulgador reichiano, mas lembro, entre os poucos disponíveis, do impacto que me causou a importância dada para o corpo, para os gestos, o tom de voz, a imitação dos jeitos dos outros como forma de acolhimento. Até hoje, até mesmo quando leio literatura, presto atenção no tom de voz das personagens, seus gestos etc. As ideias de que os poderes sociais atuam no corpo, muitas vezes de maneira deletéria, e de que um silêncio meditado ajuda a compreendermos engessamentos na nossa linguagem são ainda hoje importantes para mim.
Não sei quanto Gaiarsa é respeitado pelos seus pares. Caso não seja, está aí mais um motivo para pensarmos nos limites que a especialização vai impingindo e na possibilidade libertadora que a divulgação cordial e coloquial de ideias pode incrementar.
Avánti, Gaiarsa. Descansa em paz, meu velho.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Deboche e debate


Há alguns dias da eleição, textos que tentam avaliar o processo eleitoral e as posições que se constituíram ou se mostram nele são bastante numerosos, havendo desde posturas de direita que acreditam, ou querem acreditar, em correntes de emails estapafúrdias até posturas de esquerda que defendem saídas stalinistas para conflitos contemporâneos. Em todo o espectro, de lado a lado, piadas contra piadas, sarcasmos, cinismos ou então certa decepção blasé.
Nesse panorama, ganham ênfase algumas tomadas de posição que vou chamar “complexas”, mesmo que, às vezes, segundo entendo, enganadas ou enganosas. Um caso seria o editorial do Estadão abrindo apoio para José Serra. A cada linha, evidencia os interesses em jogo e acaba sendo, caso bem estudado, ferramenta para as esquerdas. Falta bastante, é claro, para que os editorialistas do Estadão considerem os interesses populares ao menos tão densos quanto os seus próprios, ao invés de tratar todos os que votam no PT como descerebrados, incultos e incapazes.
Para contrapor a tomada de posição "complexa", considero uma tomada de posição “tão complexa quanto possível” aquela que considera complexo o seu adversário político e que tenta considerar o adversário como um sujeito político pleno, não apenas sujeito de argumentos, mas de práticas sociais, avaliando e reconstruindo com calma e respeito esses argumentos e as práticas correlatas ou contraditórias em relação a esses argumentos. É evidente como falta isso aos editorialistas do Estadão, mas acho que devemos, os que pretendem não se conformar em ser ex-esquerda, pensar nas condições que podem nos manter em posições “tão complexas quanto possível”.
Isso não quer dizer, evidentemente, que o humor, o sarcasmo, o cinismo, a gozação e o riso não devam fazer parte dos debates políticos. Estruturas realmente democráticas de debate abrem espaço para diversas posturas e tonalidades, todas, a princípio, bem vindas. Mas acho que entre as posturas discerníveis nos debates dessa eleição, uma das mais raras é a do militante que respeita democraticamente, ponderadamente, seu adversário.
Para continuar com o Estadão: reconheço em Daniel Piza um articulista cuja posição tem complexidade e maturidade, mas também reconheço que essa posição complexa e madura está construída pelos limites da atividade jornalística num órgão como o Estadão. Mas quero me ater a um argumento. A insistência de Piza na continuidade entre o governo FHC e o governo Lula me parece um equívoco ou ao menos uma insistência que não explica os saltos na quantidade de consumidores de classe média, na distribuição de renda e no atendimento às populações de baixa ou nenhuma renda. Contudo, se venho a público e aponto o que me parece ser um engano de Piza, não vejo razão nenhuma para ter completa fé nos meus próprios argumentos a respeito do mesmo assunto. E aqui está o ponto: estar aberto à construção, complexificação e alteração de argumentos e ações pontuais não significa alterar ou negociar princípios, como Edward W. Said procurou mostrar em seu livro Representações do intelectual.
Digo isso porque não é raro que, entre as esquerdas, nas quais eu me posiciono como parte, haja posturas que digam que levar em conta argumentos como os de Piza equivaleria a assumir as posições que ele assume ou, ao menos, a criar um certo compromisso com elas. A meu ver, certamente precisamos – à esquerda – estar atentos a todo tipo de comportamento que denota compromisso ou moleza frente ao que consideramos injusto ou canalha. Mas uma coisa é marcar, fortemente, a contrariedade, outra coisa é se dar o trabalho de construir cuidadosamente os argumentos e práticas sociais daqueles que consideramos ser pontos de vista contrários ao nossos.
Veja-se, por exemplo, que a tese da continuidade entre os governos FHC e Lula também é postulada pelo economista Francisco de Oliveira. Em seu artigo, “O ornitorrinco”, Oliveira fala em “convergências pragmáticas entre o PT e o PSDB”. Os argumentos de Piza e o de Oliveira são semelhantes, mas são construídos a partir de posições contraditórias, até mesmo inconciliáveis. Em outros termos, não se pode reduzir argumentos a meros argumentos, justamente porque a coincidência das teses não leva Piza e Oliveira a terem a mesma opinião, nem posições sociais semelhantes. Se levamos em conta qual o horizonte social dos argumentos, de onde eles são criados, para quem, com quais conseqüências fica evidente que os dois estão falando de coisas diferentes. É por isso que, se a posição de esquerda é enraizada no chão social e não uma tomada de posição meramente intelectualóide, ela não tem porque temer incorporar e utilizar argumentos e espaços, seja lá quais forem.
Estou tentando dizer que as contradições sociais podem ser utilizadas como instrumentos para a complexificação da prática das esquerdas. Ver no outro um idiota mesquinho pode funcionar para vias de sarcasmo, descarte ou reforço da diferença. Às vezes se torna um dos momentos da discussão, conforme for o espaço e o propósito. Para lá disso, considerar a complexidade das posições disponíveis hoje no tecido social é tarefa importante. O mapeamento das posições não pode ser entregue a atitudes classificatórias simplistas. Isso tudo é trabalhoso, exige pensar e deslocar aquilo que já está pensado e que bastaria ser reconhecido.
As esquerdas, ao longo dos últimos dois séculos, têm feito sempre o trabalho de pensar o que muitas posições sociais dão de barato como já pensado, cristalizado, pronto. É importante dar continuidade a esse tipo de reflexão, sem, quero repetir, descer para compromissos e acordos com posições criticáveis. A alegria e o riso estão nas raízes dos pensamentos populares. São tanto mais contundentes quanto mais dizem respeito às contradições fundamentais de dada organização social, tanto menos contundentes quanto mais apelam a fantasias, repetições e estereótipos.

domingo, 19 de setembro de 2010

Representações do intelectual, de Edward W. Said

Por exemplo, a diferença que delineei entre o intelectual profissional e o amador reside precisamente no fato de que o primeiro alega distanciamento com base na profissão e aparenta ser objetivo, enquanto o segundo não é movido nem por recompensas nem pela realização de um plano de carreira imediato, mas por um compromisso empenhado com ideias e valores na esfera pública.
Mais adiante, citando Jean Genet: "quem não quiser ser político não deve escrever ensaios nem falar publicamente".

Os trechos acima estão na p.111 do livro Representações do intelectual, volume em que Edward W. Said reúne seis conferências que o autor escreveu para a BBC, em 1993 – as “Conferências Reith”. A tradução é de Milton Hatoum.
Os “intelectuais” apolíticos da Zero Hora fariam bem em ler esse tipo de coisa antes de ir para as reuniões do DEM e do PP. O jornalismo nas grandes empresas do Rio Grande do Sul se tornou uma metralhadora autoritária por trás da qual homens e mulheres continuam defendendo a possibilidade de ser objetivos e isentos frente às contradições sociais. Pior é que fazem isso no momento em que vêm a calhar definir posições e falar a partir delas, afinal, essa atitude está suposta numa estrutura democrática. Ainda mais preocupante do que as opiniões-não-opiniões e do que as políticas-apolíticas é a defesa de que inexistem contradições sociais ou de que elas apenas surgem quando os movimentos sociais, alguns sindicatos e meia dúzia de intelectuais preferem perturbar a vida social que, de outro modo, levaria ao melhor dos mundos possíveis.
Em todas as conferências de seu livro, Said reflete a respeito da posição do intelectual como posição à margem, que sofre, por vezes, o exílio, a exclusão e a falta de reconhecimento por insistir em falar a partir do ponto de vista dos exilados, excluídos, dos que não conseguem reconhecimento. Na palestra dois, “Manter nações e tradições à distância”, Said lembra de Walter Benjamin e Virginia Woolf. O que há de mais importante para o intelectual, escreve Said, partindo de Woolf, é representar ideias, valores e pessoas a quem não foi dado um lugar de trabalho, um quarto que lhes pertença.
Conforme a terceira palestra, tal postura muitas vezes torna o intelectual uma espécie de “pária permanente”. Nessa palestra, Said procura distinguir dois tipos de intelectuais exilados: os que se adéquam à vida no novo país – como os “novos americanos”, que cooperaram na guerra fria ou ainda gente como Kissinger – e os que não se acomodam, resistem, não se deixam cooptar e pagam o preço disso levando vidas mais obscuras e dificultosas.
Em outras palavras, haveria intelectuais “consonantes” e “dissonantes”. A dissonância seria exílio – e exílio não somente como uma condição social, mas também como uma condição metafórica. Um exemplo do dissonante seria Adorno, contrário ao fascismo, ao comunismo e à sociedade de consumo de massa – um “intelectual por excelência”.
Said traz outro exemplo de vida intelectual – vou usar esse termo, “vida intelectual” –, a do filósofo Giambatista Vico. Nesse caso, o autor salienta o empenho para historicizar as relações humanas, de entender a vida humana como resultado de decisões e ações de homens e mulheres. “Não podemos escolher um caminho prescrito”, escreve.
Na quarta palestra, “Profissionais e amadores”, Said postula que um dos problemas que os intelectuais enfrentam ao lidarem com os poderes seria o profissionalismo. Isto não significa apenas escrever e pensar através de jargões incompreensíveis – o que, para Said, seria de menor importância –, significa sobretudo praticar a escrita e a fala como um “bajulador profissional”. Uma contraposição ao profissionalismo adviria do amadorismo, isto é, entregar-se ao estudo, à escrita, à fala não porque isso dá dinheiro ou reputação, mas com “dedicação” e “afeição”.
Em outra palestra, Said defende que o intelectual precisa se posicionar claramente a respeito dos conflitos concretos, tomando como base valores compartilhados ou reconhecidos – a liberdade de expressão, a ilegalidade de ataques de povos sobre povos –, mas sempre de um ponto de vista de contraposição ao “nós” que se coloca como autoridade frente ao “eles”. Isto é, a utilização de valores compartilhados e reconhecidos não é uma capitulação do princípio de marginalidade do intelectual. Ele não fala para o poder, mas contra o poder e suas representações.
Cito:
nada é mais repreensível do que certos hábitos de pensamento do intelectual que induzem à abstenção, àquele desvio tão característico de uma posição difícil e embasada em princípios, que se sabe ser a correta mas que se decide não tomar. Você não quer parecer muito político; você tem medo de parecer controverso; você precisa da aprovação de um chefe ou de uma figura de autoridade; você quer manter uma reputação de pessoa equilibrada, objetiva, moderada; su esperança é tornar a ser convidado, consultado, ser membro de um conselho, comissão ou comitê de prestígio, e assim continuar vinculado à esfera do mainstream; algum dia você espera conseguir um grau honorífico, um grande prêmio, talvez até uma embaixada. (p.102)
Said defende que é fácil ser contrário ao terror e à agressão, em abstrato, mas é difícil para um intelectual ocidental reconhecer e expressar o terror de Israel contra a Palestina, por exemplo. Nesse caso, o intelectual fajuto pode optar por elogiar a democracia israelense ou o diálogo e a negociação, sem procurar conhecer as relações de poder e força tais como ocorrem no dia-a-dia ou seja sem compreender o sofrimento concreto que essas relações podem causar.